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  • Escrito em 2019

“você só pode amar a mim” eu digo, e quatro homens estão atrás dele, e antes desses quatro outros quatro já tentaram arrancar sua pele. eu não sei o que é isso com homens, mas hoje ele é meu e só meu. e ele passa a mão no meu cabelo em movimentos repetitivos porque é tudo que sabe fazer. é tudo que eu preciso. eu quero dizer isso para ele, então eu digo, “você é tudo que eu preciso”. ele não me responde nada, mas tudo bem, porque eu não preciso que ele me responda nada.

o sol entra pálido pela janela e a madeira estala e faz barulho. quando é noite as cortinas ventam forte para dentro da casa. quando é noite é frio e eu gostaria que ele me esquentasse, eu fiz coelho que eu cacei com as próprias mãos. mas eu fiz além da conta porque já é noite e ele não vem.

no dia seguinte ele chega com o por do sol, o rifle em punho, o chapéu na cabeça, o casaco no corpo. agora três homens estão atrás dele. ou seriam dois? ou seriam nenhum. eu não sei o que é isso com homens.

eu ponho água quente para ele e enfaixo seu braço, mas é tudo que eu sei fazer. sei caçar uma lebre mas mamãe nunca me ensinou a limpar o sofrimento de um homem embora.

ele treme. ele treme e uma lágrima solitária desce do seu rosto. é difícil ver um homem tão alto e tão forte chorar como uma criança.

eu digo a ele, com o seu rosto nas minhas pernas, “quando eu era criança minha mãe não me deixava chorar”. “se me visse chorando, ela me dava um batuque e não me deixava ir à escola no dia seguinte. as vezes eu chorava de propósito para não ir a escola, porque eu não queria ver a senhorita Jenny”. “mas aprendi a não chorar e isso me basta”.

ele não me respondeu nada e penteei seus cabelos a noite toda. eu quis que a senhorita Jenny soubesse que eu não me deitei com ele essa noite. mas que ela nunca saiba o quanto eu quis me deitar com ele esta noite.

no por do sol seguinte ele não voltou e fiz comida só para mim, rabanetes, cenouras e ovos do galinheiro, tudo numa sopa. no nascer do sol seguinte ele também não voltou; eu sei porque coloquei a cadeira de balanço lá fora e assoviei até não restar mais música nos meus lábios.

deus deve estar me castigando por não ter ido a igreja por tanto, tanto tempo.

no por do sol seguinte ele não voltou e eu fui dormir. sonhei que nadava num rio que não tinha fim e que a água não era tão fria. sentava sobre a fogueira estalante, e contava as estrelas.

passou uma estrela cadente, e eu lembrei da senhorita Jenny me dizendo para fazer um pedido. eu pigarreei, e falei da forma mais bonita que pude, por favor, dona estrela,

mas não consegui pensar em nada então a estrela passou e sumiu.