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O Rei Demônio no Meio da Emboscada

Desci do cavalo, lhe dei água e comida,
E o que me restou ofereci ao viajante já instalado na fogueira,
Em agradecimento à sua estalagem, que não era muito,
Mas nem eu havia muito à oferecer naquele dia.
E logo seria noite, e com ela o frio,
E juntos sobreviveriamos caso houvesse perigo.
Duas adagas são sempre melhores do que uma,
e se a dele não se voltasse à mim, a minha não se voltaria à dele,
E dessa maneira pregariamos tranquilos o olho.
“É noite escura, uivos pelo céu”, eu lhe digo,
Ao que ele responde,
“temei não os animais irracionais, que movem­se somente pelo instinto,
mas foge dos homens, que ainda possuindo intelecto, escolhem racionalmente agir como animais”
Conheces então o mal que ronda essa terra, eu lhe pergunto, e ele me responde que sim.
Já que sou seu anfitrião nesta noite, e que partilhamos comida e água,
Iluminará a noite com uma história antiga:
Disse que nessa noite há muito tempo
Um rei pequeno havia sido abandonado para morrer
Caído nesta mesma terra
Sob essa mesma noite
E enfurecido pela cólera
E temente da morte
O rei pequeno apertou a mão do diabo
Quando este lhe fez uma proposta
Terás neste tempo o meu poder
Mas uma vez embebido por ele
Perderá tudo o que tens.
E o rei pequeno fez as contas
E decidiu que melhor a vingança do que a morte.
Morria nesse dia o rei pequeno
E acordava nessa noite o rei demônio.
O rei demônio no meio de uma emboscada
Emboscou seus emboscantes e destruiu um por um
Sedento pelo poder e achando tudo muito divertido
O rei demônio cavalgou com seu exército
Conquistando e demolindo Impérios que nunca sonharia enxergar
Com sua pequena cabecinha
Primeiro um, depois dois,
Depois uma companhia de cem homens, depois um exército de cem mil,
E por fim impérios além­-mar
Destruído por maremotos de fim de mundo.
O rei demônio abocanharia o mundo inteiro,
Mas o diabo é arteiro
E foi quando destronava mais um imperador
De mais um reino distante
Que viu que ao seu redor caminhavam não homens, mas monstros;
Que suas conquistas eram na realidade massacres, e aqueles que não o temiam o odiavam;
E que suas mãos se tornaram garras, e seus dentes caninos,
O rei pequeno olhou­se no espelho e não viu um rei. Viu o mal.
E o mal que trouxe ao mundo deu­-lhe ânsia.
Ainda tentou cavalgar, mas caiu,
Ainda tentou atacar, mas foi apunhalado,
Ainda tentou comandar, mais foi traído.
O rei demônio percebeu que voltara a ser o que era antes:
Um homem.
E ferido escondeu­-se nas montanhas
De onde viu seu império reduzir­se à ruína
Queimando dolorosamente seu estandarte sob a luz da lua.
O rei pequeno hoje caminha sobre as cinzas de suas terras
E se pergunta quem encontrará primeiro
A redenção Ou o diabo.
Escutei pacientemente o fim da história,
Nós dois sabíamos que aquele era o momento.
Me fitou, e me perguntou enfim,
O rei demônio,
Antes rei pequeno,
E agora rei perdido,
“Quem dos dois é você?”
A resposta, eu bem lhe disse,
“É quem você desejou,
No fundo, no fundo,
Que lhe fizesse uma visita
Na noite de hoje”.