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O Curioso Caso de Benjamin Kafka

  • 27 de Fevereiro de 2017
Minha filha, ontem eu passei um PERRENGUE. Foi mais ou menos assim: Numa manhã, ao despertar de sonhos inquietantes, me dei por mim na cama metamorfoseado num gigantesco véi. Minha mãe bateu na porta gritando LEVANTA ESSA BUNDA KAFKANIANA DA CAMA QUE TU JÁ TÁ ATRASADO PRA FACUL. Aí eu falei: mas mãe, ontem mesmo eu tinha 16 anos e só estava atrasado pra ver o episódio do Naruto versus Sasuke. Mas lá estava eu com 18 anos nas (dores das) costas e o maior bigodão de pedreiro que você desrespeita. Peguei o famoso ÔNIBUS LOTADO e quando cheguei lá já tinha perdido duas aulas e uma monografia. Barraram minha entrada no R.U. porque ao meio dia eu já estava formadíssimo apesar de não ter a menor ideia do que fazer com o diploma. Já estava enjoado do frango, mesmo. Do “““suco””” eu nem vou falar. Assim que peguei meu carro no estacionamento pasmem: era a mulher ligando pra eu pegar o Gregorinho na creche. Eu peguei um engarrafamento que se tivesse começado no Big Bang, teria acabado no lançamento do Iphone 8. Quando eu cheguei na creche já era pra ter pego ele na escola; quando eu cheguei na escola ele pediu carona pra universidade porque ônibus lotado é foda. Eu falei que na minha época era ônibus mesmo, mas fui do mesmo jeito pra ele não me achar careta (só dizendo “careta” eu já envelheci uns 30 anos). Quando eu cheguei no trabalho o chefe riu da minha cara porque eu estacionei com o carro na vaga do foguete dele; sendo assim o energúmeno precisou estacionar em pleno ar. Eu não achei ruim e preferia que esse borra-botas pegasse o disco voador dele e voltasse pro inferno de planeta que ele saiu, mas nem foi preciso. Só na tarde que fiquei por lá a empresa faliu três vezes. Sabe como é a crise, né. Brasil eterno país do futuro. Os caras estavam investindo em energia solar, mas as empreiteiras desviaram até a luz do sol com uns guarda-sol. A gente só ficava na sombra, bicho. Só dizendo “bicho” eu já envelheci 60 anos. Mais triste foram as pausas pro cafézinho. Não dava nem tempo de chegar na cafeteira, o café já tinha evaporado. De noite meu neto me pegou no trabalho e me levou pra hidroginástica. Ser velho é fogo, os músculos viram água. Dói em partes do corpo que você nem sabia que existia; dói nas partes que você sabia também. Quando cheguei em casa fiz crochê e vi a novela no cinema 4K. É batuta. Uma velha me deu boa noite, eu estou achando que era minha mulher. Vai saber. Meu bisneto estava se teletransportando pela casa feito um desmiolado jogando o Mainecrefete dele. O pentelho riu da minha cara e disse que Mainecrefete é da era cenozóica, ele estava era rindo de memes. Eu falei que na minha época meme era só em vídeo, imagem e som e que estava muito ótimo assim. O lazarento disse que faz muito tempo que os memes são interativos; você entra no meme, você vive o meme, você é o meme. Eu falei que isso é coisa do tribufu, pé-preto, coisa-ruim. Eu fiz crochê e vi a novela no cinema 4K. Acho que já fiz isso, não lembro. Me deitei pra dormir admirando o espaço sideral pela janela. Não consertaram o buraco negro da esquina, essa ditadura distópica é foda. Gozado, o dia passou rápido hoje, eu disse pra velha do boa noite. A vida está passando muito rápido. Deve ser uma metáfora kafkaniana. Fiquei com medo de fechar os olhos e morrer, mas quando acordei eu tinha 16 anos de novo e tinha que ver o episódio do Naruto vs Sasuke. Bom era quando a gente era menor, que não tinha preocupação, pensei enquanto via o Naruto dar uma sola no Sasuke. Mas aí minha mãe bateu na porta perguntando se eu já tinha feito as tarefas e eu lembrei que ter 16 anos era uma porcaria. Dormi sem parar até completar 20 anos, mesmo. A melhor época é a que a gente está vivo. Deve ser uma metáfora kafkaniana.