Menu

Crianças de Pripyat

em mim moram duas crianças de pripyat
e nos meus sonhos caminhamos pela floresta
fazemos piquenique pelas montanhas
comemos favos­de­mel
em mim moram duas crianças de pripyat
que chutam que batem que sangram querendo sair
esperneando a vontade de crescer
e brincar e trabalhar e amar e todas essas coisas
(que a vida reserva)
e serem morada de novas crianças de pripyat
toctoctoc mãe nos deixe brincar lá fora
e eu digo nãonãonãopois lá fora é novembro está frio
e nenhum agasalho vai protegê­-las da radiação que cai fina
como uma névoa
toctoctoc mãe nos dê favos­de­mel pois estamos famintas
e eu digo me desculpem.
porque acabaram as torradas os biscoitos e logo acabará a água limpa.
mamãe você é linda
mesmo que seus cabelos estejam todos pelo chão
e sua pele tão pálida
e eu digo eu amo vocês.
eu amo vocês eu amo vocês eu amo vocês
crianças de pripyat.
se houver um depois
(que a vida reserva)
caminhamos pela floresta e comemos favos-de-mel nas montanhas
(caso existam florestas e montanhas no céu)
em mim moram duas crianças de pripyat.
eu sei que dói toda vez que eu sei que elas estão láe chutam e choram de fome e pesam em mim
mas ao menos eu sei que elas ainda estão lá.quando elas se calam eu me desespero
achando que elas foram antes do que eu.eu sei que dessa vida vamos todos
e que de pripyat não há como escaparmas por favor por favor por favor
não permita que em mim morram duas crianças de pripyat.