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Adeus ao Bardo

  • 7 de Setembro de 2017

“Nosso bardo está indo para um lugar melhor”, eu disse para o lanceiro, “mas não há nada com o que se preocupar. Ele voltará logo”. O lanceiro tenta não parecer inconsolável. “As batalhas não serão as mesmas”, ele lamenta, e eu respondo que não, que quanto mais armas empunhadas mais vigorosa é a luta e menos feridas para estancar ao cair da tarde. “Nem as tavernas serão as mesmas, ou o passeio pelas florestas, ou o velejamento pelos mares. Nenhuma exploração será como antes”.

“Não, não será”.

O lanceiro fita temeroso o horizonte. Ele não é de falar, mas quando fala o pouco lhe é suficiente. Não só entendo suas palavras, como compartilho sua angústia. Nossa guilda era tão unida, e nos divertimos tanto. Se aqui armarmos uma fogueira, podemos atravessar a noite cantando nossas histórias. Do dia em que torramos costelas de porco. Da tarde em que o bárbaro (acidentalmente) rompeu a costela do bardo (o irmão do bardo ficou irado). Da noite em que disputamos princesas.

Muitas fogueiras seriam necessárias para que contemos todas essas histórias. Muitas canções seriam adereçadas para nós.

Eu me sento próximo ao lanceiro. “Tudo isso é verdade; noites escuras virão, e mais do que nunca precisaremos da companhia de bons amigos como o bardo” Eu removo a adaga da bainha e a finco no chão. “Mas é também verdade que o bardo ainda está aqui. E se ainda luta do nosso lado, e cavalga sob nossa companhia, é nossa responsabilidade aproveitar ao máximo de sua lealdade e companheirismo enquanto ainda podemos. Quando ele se for, eu quero lembrar-me do bom homem que ele foi e dos bons momentos que passamos juntos; não dos momentos que poderíamos ter passado”

O lanceiro está impassável. O momento é propício para que eu monologue. Só ele me escuta. Eu fito a adaga.

“Todas as batalhas que lutamos, todos os monstros que aniquilamos, todas as ruínas que sofremos — nenhuma delas seria vencida por essa adaga apenas. Sem as armas da nossa guilda, eu certamente seria o primeiro a ser trucidado. Por outro lado todo o ouro das conquistas seria pesado demais para o meu único bolso e todos os banquetes seriam indigestos demais para o meu único estômago — não importa o quão sovina e faminto vocês acreditem que eu seja.” O lanceiro sorri. “Eu vivi pouquíssimo, mas considero meus espólios até agora uma benção. Mas no momento em que derrubar minha adaga, considere-me morto. Eu não vou parar de conquistar até que o esteja”

Eu me levanto. “Mas sem meus leais companheiros ao meu lado, de nada vale a adaga e de nada valem as conquistas. Melhor ficar sob o conforto do lar, à jogar dados.”

Removo a luva e ergo a mão para o lanceiro. “O bardo ainda está entre nós. Em breve, não mais. Vamos aproveitar o máximo. Vamos cavalgar ao seu lado, vamos beber com ele, vamos valer a pena”.

O lanceiro se levanta, “mais fácil seria se o bardo, o bárbaro e a druida parassem de agir como infantes e se reunissem entre si mais uma vez. Nossa estadia nesse mundo é tão curta e nossa sobrevivência tão ameaçada. Não entendo porque não podem voltar à lutar do mesmo lado”

“Se quiserem brigar, que briguem. Mas a desunião será a ruína dos homens, e se formos destruídos por uma espada maior é porque não tínhamos facas suficientes ao nosso lado”. “No momento não quero papear acerca de espadas maiores, ladino. Conversa estranha” Eu rio.

Partimos, armas em punho. Convocarei o bardo para a próxima aventura. É um juramento. Cavalgamos em direção ao horizonte.