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Séries de TV vs Cinema vs Videogames

  • 14 de Setembro, 2020

Ontem eu terminei de ver os 8 primeiros episódios de The Boys, uma série distribuída pela Amazon Studios para o serviço Amazon Prime Video. "

O convite foi feito pela minha namorada, que apesar de apontar que eu não sou um grande fã de séries televisivas, apostou que talvez eu gostasse de assistir The Boys (que ela assistiu até o último episódio lançado).

Eu mesmo não sei bem dizer porque não tenho muito interesse em assistir séries, mas tenho algumas pistas: algo tem a ver com o tempo de duração dessas coisas - a primeira temporada de uma série como The Boys leva 8 horas do início até o fim, enquanto a maioria dos filmes longa-metragem duram em média 2 horas. Mas pensando melhor sobre isso, o tempo sentado não influi muito na minha escolha do que fazer: meu tempo investido em frente de videogames, quando eu resolvo jogá-los do incío até o final, costuma ir entre 5h até 56 horas (logicamente diluídos em dias diferentes). Meu tempo de leitura, para cada livro, costuma ser as mesmas 8 horas.

O que me faz pensar que minha formação enquanto estudante de Cinema tenha mais a dizer sobre isso. Quando você começa a acessar filmes com a intenção de pesquisá-los, e cria uma tradição nisso, seus estudos começam a transbordar na forma como você acessa outras atividades - como você assiste ou pensa vídeos, games, pinturas e até livros e séries de televisão. Ainda que, ao menos na graduação, geralmente os estudos em cinema se dedicam à isto - Cinema, na concepção que temos de longa-metragem.

De forma que explorei muito pouco séries enquanto na faculdade, da mesma forma que explorei poucos videoclipes ou poucas novelas. Alguns autores que estudamos pretendem nos dizer alguma coisa sobre uma área mais ampla, a dizer o audiovisual, ou as mídias, ou até mesmo a própria arte. Essa é uma discussão maior. O que quero dizer com isso é que é difícil para mim escapar de pensar cinema quando assisto séries. Algumas tradições somente não se aplicam. São como afluentes que se desdobram de um mesmo meandro. Ambos carregam a mesma água do rio, mas ainda estamos falando da mesma água?

Águas Passadas

Peter Dinklage, ator de Game of Thrones (uma série televisiva lançada pelo HBO), disse uma vez na ocasião do lançamento da última temporada da série que "estamos fazendo filmes dez horas cada, todo ano". Não consigo mais encontrar essa citação para referenciar. Trago então esta:

“Acho que estamos fazendo tudo certo”, diz Benioff. “E se continuarmos assim, serão dez episódios para cada um dos sete livros, levando a história em todas as direções imaginadas por George. Tomara que a HBO continue acreditando na série. Nós pensamos na série como vários filmes de dez horas cada um. Cada temporada tem um começo, um meio e um fim, como um filme, e é assim que tratamos a narrativa. (...)


Eu considero interessante pensar na pretensão das séries de serem como filmes, ou filmes. David Benioff é um dos criadores, produtores e roteiristas de Game of Thrones, e nessa declaração em particular a comparação talvez dizia respeito à dimensão narrativa dessa série, que "como um filme", tem "um começo, um meio e um fim", em contraponto com outras que tem finais abertos cuja intenção é a de levar a audiência a desejar uma nova temporada, e então outra, e então outra.

Tendo assistido todas as temporadas de Game of Thrones e investido cerca de 72 horas em sua narrativa, eu acho que posso afirmar com certeza que em nenhuma temporada foi estruturada com "um começo, um meio e um fim" - nem mesmo a última, cujos episódios finais deixaram grandes perguntas abertas que, no contexto das séries americanas blockbuster, intencionam que os fãs continuem discutindo a série, pensando sobre ela, a consumindo, e que pressionem outras produtoras a continuar contando a história para satisfazer seu sentimento de conclusão.

The Boys se encontra em algum lugar nessa declaração (ou pretensão) de tornar-se filme. A série televisa, portanto, ameaça "matar o cinema" desde popularizou-se o aparelho televisivo, assim como outros algozes como o videogame, o torrent, o Youtube. Aparentemente o cinema está sempre em perigo; como os reis e rainhas de GOT, sua dinastia está com os dias contados à espera de quem o degole e roube sua coroa.

O que me parece, no entanto, é que as diversas formas de entretenimento (videogames, séries, cinema) estão na verdade se popularizando cada vez mais e a cada ano crescem os números tanto dos consumidores, quanto do valor investido para se criarem blockbusters (videogames blockbusters, séries blockbusters, filmes blockbusters). Claro que podemos anunciar vencedores em determinadas pódios específicos (no geral, determinados mercados como o do videogame é o que arrecada mais e que custa mais caro, por exemplo). Mas no fim das contas, todas as fronts do entretenimento de massa está crescendo em números de fãs e no valor investido por eles (até mesmo a literatura, acredita?)

Não é de hoje, também, que se injeta dinheiro em séries televisivas (como se injeta Compound-V nos super-heróis de The Boys) para que dessa forma elas possam bater de frente com o espetáculo centenário do cinema blockbuster, tanto em forma como em marketing (para atrair público). O que retoma o comentário de Peter Dinklage e David Benioff, "estamos fazendo cinema". Não apenas, um cinema muito maior e melhor, "de dez horas", cuja indústria televisiva tem maiores capacidades produtivas para abastecer o mercado ("todo ano").

É difícil manter viva a pergunta-afirmação "a televisão vai matar o cinema" porque a televisão está aí na casa das pessoas desde meados dos anos 40, e de 80 anos para cá não me parece que o cinema fraquejou muito. A pergunta-afirmação então, temendo cair em uma velhice, reformula-se: "o streaming vai matar o cinema". E se rejuvenesce ainda mais, como tenho visto: "o Covid-19 vai matar o cinema"!

O que é observo é que tanto videogames quanto séries televisivas vão beber da influência da linguagem cinematográfica para contar suas histórias, ainda que mantendo sua tradição, suas origens e suas particularidades. O cinema bebeu das águas do rádio e do teatro (e de muitas outras, como é quase tudo na vida que tem um passado), mas tornou-se algo diferente destes, e gerou as próprias crias. Uma pergunta que mais me interessa é a de "porque ainda assistimos, discutimos e pesquisamos cinema" se nesse mais de um século de existência do cinema, nada que dele derivou foi capaz de "matá-lo" - ainda que ele mesmo tenha sido apontado como responsável pela decadência de outras formas como o rádio ou a literatura.

Do que eu estava falando mesmo?

Para mim, assistir The Boys com certa consciência dos estudos em cinema (e também com quase nenhuma leitura de outras séries ou de discussões aprofundadas sobre séries televisivas) é a de estar quase que o tempo todo criando essas pequenas conexões de uma forma com a outra, sabendo que filmes não são séries assim como séries não são filmes, ainda que mutualmente os dois se assistam e estejam cientes da existência um do outro. O que também me faz pensar sobre as próprias teorias fílmicas - posso analisar, por exemplo, The Boys, uma série estadunidense lançada em 2019, da mesma maneira que analiso Toma Lá Dá Cá, série brasileira lançada em 2007? Alguns escritos e pensamentos pretendem a universalidade, dizer de algo que exista em comum entre tudo que se diz (ou se parece) audiovisual.

Diante de dois objetos, é mais fácil descobrir as proximidades do que as diferenças, porque as diferenças são sempre tamanhas e inúmeras. Mas a proximidade tem sua beleza, justamente porque é rara. Então definimos um objeto pelo que ele se parece com outros que conhecemos, e assim se dá a ciência.

Mas existe perigo nessa abordagem, que mais está interessado em conclusões e definições rápidas do que em explorações e descobertas de fato. Música me vem a mente; posso escutar algo que desconheço no rádio e chamar de música. Diminuindo sua "classe", posso ir além na diferenciação entre outras coisas também taxadas como músicas e definir, talvez, como "rock". Vou ainda mais no seu "reino", e catalogo como "rock alternativo". E por aí vai. As classificações podem ser diversas, beirando o infinito, pois sempre haverá como relacionar uma informação à outra. Uma ciência que está com a bola toda esses dias é a ciência da informação, que percebeu a riqueza que pode existir nessa correlação de dados (nesses dias eu li que surtos em Covid-19 em determinados estados puderam ser previstos porque as pessoas estavam pesquisando no Google sobre os sintomas que estavam sentindo - não é a toa que dizem que o petróleo dos nossos tempos é a informação).

Conclusão

Um(a) pesquisador(a) em cinema está equipado com diversas teorias do audiovisual em mente quando ele analisa uma obra fílmica; um(a) bom(boa) pesquisador(a) leva consigo também teorias que vão além do cinema - teorias em arte, ou em videoclipes, ou em videogames, ou em teatro, ou mais. Acontece que não sou um bom pesquisador e sobre séries televisivas tenho muito pouco a dizer, exceto uma coisa ou outra que posso dizer sobre cinema. Dessa maneira, assisti a primeira temporada de The Boys. Esse texto divagou um pouco acerca dos paralelos que unem cinema e série; o texto que vou escrever em seguida trata sobre paralelos nessa série específica.

Esse texto foi escrito após um debate com um professor-amigo acerca das diferenças e pontos de encontro nos ditos "cinema contemporâneo", "cinema moderno" e "cinema clássico"; mais importante, diante da pergunta da minha namorada, "o que achou de The Boys?"

Escrito por Levi S. Porto, em 14/09, para seu blog farofinhas.site

Notas de rodapé

Alguns sites de referência para esse texto:

Will coronavirus kill cinema and speed up 21st century TV? (https://omarson.com.br/en/o-coronavirus-vai-matar-o-cinema-e-acelerar-a-tv-do-seculo-21/)

Roteiristas de "Game of Thrones" contam como adaptam a obra de cinco volumes para a TVhttp://televisao.uol.com.br/ultimas-noticias/2011/06/23/roteiristas-de-game-of-thrones-contam-como-adaptam-a-obra-de-cinco-volumes-para-a-tv.jhtm