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i only have farelos

  • 17 de Março de 2018

ontem a noite eu tive que livrar o meu abajur do vômito do tangerina.
parte do piso e do cobertor também foram atingidos, até agora nenhuma baixa graças à deus.

tangerina quase derruba a porta de tanto bater para que eu lhe atendesse; ao abrir o perguntei porque ele simplesmente não usou a campainha, que lhe teria custado bem menos esforço físico. por seu olhar concluí que tal esforço comumente precisava ser realocado sob risco de, ficando quietinho, seu organismo apenas decidisse que chegara a hora perfeita pra expelir tanto álcool quanto comida porcaria da sua barriguinha.

tangerina é do tipo que sai correndo na rua em decorrência do álcool, forçando seus grandes amigos à correr atrás dele em prol de sua segurança (e da segurança da cidade de fortaleza em geral). daí quando ele pára, geralmente é para sujar a cidade de fortaleza com o ex-conteúdo do estômago.

tangerina põe a mão esquerda no meu ombro esquerdo, suja de sabe-se lá o que, e conta em segredo pra mim um absurdo que ele se deu conta: de que “neste mundo existem homens que se comparam uns com os outros pelo tamanho do pau ou da carteira”. senti-me um pouco ressentido e ofendido, mas não deixei de encontrar uma pitada de sabedoria em tais palavras. tangerina é mais sábio do que cavalheiro.

tangerina pergunta o que eu estava fazendo que não quis ir pro rolê, o que era tão tão mais importante, e eu disse que fiquei ao meu quarto à jogar jogos eletrônicos. tangerina ressentiu-se, e me puxou para o sofá, aparentemente para expor para mim o quanto minha ausência o tem chateado em sua vidinha. se essa era sua intenção, nunca saberemos, pois após algum tempo de desconfortável silêncio tangerina começa a fazer aqueles barulhos típicos de quem vai dar a expelida medonha no mundo.

raciocinei acerca do barulho enquanto o dirigia para o banheiro. o barulho é uma espécie de tosse; talvez seja um tipo ou forma; modalidade de tosse na qual dá pra ouvir que diferentemente da tosse clássica, onde ar é expelido, um determinado líquido ou sólido também está lá na fila para ser expelido também. é mais uma tosse com aviso. tipo, “se eu fosse você eu me preocupava, aí vem, hein! e vem mesmo!!” geralmente vem.

“ei, tangerina”, eu iniciei, enquanto ele se servia do meu vaso sanitário, “tudo tem sido muito chato, se ligas. e a faculdade tem sido chata, e sair tem sido chato, e eu não consigo desfrutar diversão nas atividades que antes me eram tão preciosas” tangerina roncou para indicar que seguia. “você tem alguma ideia do porque disso estar acontecendo?”

tangerina deu uma risada debochada. o que você quer dizer com isso, tangerina. tangerina não se ocupa em responder. homem deveras estoico.

tangerina, no fim das contas, provou-se ser também deveras higiênico, e saindo do meu vaso (tampa fechada e tudo) foi até a torneira e se garantiu na água-corrente-com-sabonete no rosto. saiu do lava-homem-jato como outras pessoa, se não fossem os mesmos olhos baixinhos de quem está aproveitando a noite. eu lhe serviria até uma escova que tenho extra se não fosse minha desconfiança que o homem que na minha frente trupica-mas-não-cai é o mesmo homem que, capaz de lembrar-se das regras de boa higiene dental, sabe muito bem por onde direcionar a escova de dentes na arcária.

acabei por lhe servir uma toalha, a qual ele observou com desconfiança sob as mãos durante algum tempo. eu o garanti que ela não iria lhe fazer mal, e assim aconteceu.

fomos ao meu quarto, onde eu preparei um colchão e um lençol para ele. tangerina decidiu que não era mais necessitado e deitou-se na minha cama, vestido e de mãos para cima. após tudo pronto, o derrubei da minha cama para a dele; ele reagiu grunindo, e eu respondi que sim.

aparentemente findo o evento, segurei mais uma vez o controle em minhas mãos com o jogo pausado em minha frente. não sei quanto tempo se decorreu nem o que percorria meus pensamentos, até ser impedido por tangerina numa segunda vez naquela noite.

“ei men”, ele disse, ao que respondi “diz”. “que jogo é esse aí?” “super mario world”. “você não se cansa de jogar isso?” “você não se cansa de ficar bêbado todo final de semana?” “é sério, danadão. tipo, quantas vezes você já jogou isso aí? quantas mil vezes você faz as mesmas coisas, e quer que seja divertido do mesmo jeito que na primeira vez?”

eu estava no meio da minha linha de argumentação quando tangerina encerrou a discussão ao vomitar meu abajur inteiro. tangerina não joga de forma justa, mas ele ganha a partida. tangerina é mais sábio do que cavalheiro.