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A Raposinha e as Uvas bem grandes enormes

  • 10 de Agosto de 2017

Era uma vez, num universo completamente hipotético e não-metafórico, qualquer semelhança mera coincidência, uma raposa. Era uma raposa bem decente até, todos os pelos no lugar e tudo. Dava pro gasto. Enfim, era uma raposinha massa, era uma raposinha chill. Infelizmente nesse dia a raposinha teve fome, o que perturbou o estado muito chill de anteriomente. Fome, essa desgraça que assola todos os animais — até os fictícios e metafóricos.

Caminhando pela floresta, naturalmente aconteceu da raposa encontrar uma frondosa uveira muito massa (uva dá em árvore, né? eu sei lá. são duas da manhã, procura você isso no google). E tinham muitas uvas. Deliciosas uvas. Apetitosas. Roxas. Não eram uvas São Braz não (se é que realmente tem uva no São Bráz), eram uvas bola de basquete. Uvas bem grandes enormes. Com uma só dava pra fazer uma jarra de suco. Enfim.

A raposa ficou lá, olhando as uvas. Ela passou um tempo considerável só admirando as uvas, sabe. É natural, a desgraçada tava com fome. Ela não estava laricada, se é o que você está pensando.

Daí ela só deu meia volta com o rabinho e parou de admirar as uvas. “nem tô com fome mesmo”, pensou a raposinha. “tipo, eu não preciso comer. comer é uma grande perda de tempo. eu não preciso de mais essa necessidade na minha vida”. A raposinha pensa bastante, vá se acostumando. O problema é que apesar de pensar bastante, ela faz quase nada. Então ela só deu um passeio pelo bosque de uns 5 minutos porque ela realmente estava com fome e não tinha nada de bom pra fazer.

Enquanto ela observava atentamente absolutamente nada, ela pensou “caraca, eu realmente queria essas uvas. talvez eu esteja com fome”. Daí ela voltou pra olhar as uvas. “que massa seria se eu tivesse um foguete à jato pra chegar nas uvas”.

Daí ela ficou esperando o foguete feito besta, como se o fato dela ser fictícia fosse abrir passagem pras coisas acontecerem magicamente, sem verossimilhança alguma. Infelizmente, a felicidade da raposinha não vale merda em frente à super metáfora que ela deve representar.

Obviamente a raposinha não gostou de ser metáfora, porque o que ela queria mesmo era não morrer de fome. Então, ela só desejou por uma escada. Dava pro gasto também. Mas nenhuma escada apareceu. Nem pula-pula, nem que a árvore caísse, nem uma cordinha de nada pra ela escalar. A raposa imaginou tudo isso enquanto observava as uvas. Isso foram tipo 30 minutos.

Ocorreu à raposa que se ela quisesse dar uma provadinha na uva, o que ela tinha que fazer era escalar a árvore, galho por galho, até chegar no topo.

A raposa desejou ser um macaco agora. Eu não sei porque ela só não admite que é uma preguiçosa acomodada e pára de arrumar desculpas.

O negócio é que a raposa deu outra meia volta e pensou de novo que não estava com fome. Que mais tarde, quando a fome realmente batesse, ela iria dar altos saltos mortais em busca das uvinhas. Que iria dar um só pulo de boca pra cima que era o suficiente pra abocanha-las de jeito. Que iria…

A raposa parou pra pensar se não estava sendo uma preguiçosa acomodada. Ela concluiu que não iria deixar de ser preguiçosa acomodada, porque ela não tinha que provar pra ninguém que não era uma preguiçosa acomodada. A mente da raposa age de formas estranhas.

A raposa dava umas voltinhas ao redor da árvore, talvez esperando o tal foguete à jato surgir do nada. De vez em quando ela ensaiava uns pulinhos, mas era só ensaio mesmo. Na hora do “vamo pular”, ela ia dar mais voltinhas.

Já tonta de dar voltinhas, apareceram umas amigas animais da raposinha. Elas tinham as bocas sujas de roxo, as safadas. De passagem, elas dividiam entre si técnicas de como papar as tais uvas e seus planejamentos para papar mais e mais uvas nos anos que se seguiam. Até a porcaria da cigarra tinha comido uva; a raposa detestou, porque na fábula dela ela tem que depender da formiga pra estar sob um teto. Um teto. Lá estava a cigarra de pança cheia de uvas.

A raposa ficou na bad, porque todos os animais da floresta aparentemente estavam comendo altas uvas, e iriam continuar comendo nos anos seguintes. Exceto ela.

“algumas pessoas vão ser cigarras pra sempre”, pensou o animal mais chato dessa fábula, “e algumas pessoas já nascem macacas. claramente injusto com quem nasce raposa. as raposas subsistem em óbvia estratificação social; é necessária a união das raposas para destruírem o capitalismo tardio e retomar os meios de produção de uvas; o sonho americano sempre foi uma ilusão”

A raposa pensou tanta besteira que só parou quando escutou o ploft da uva no chão. Ela chegou perto, atônita. Minha nossa. Lá estava o cadáver da uva estatelado no chão, incomível, arregaçado. Que atrocidade, que violência.

A raposa olhou pra cima.

Eu espero que você tenha entendido a metáfora, porque a raposa se cansou de ser uma. Sim, ela estava com fome. Sim, ela queria ser menos preguiçosa e acomodada. Sim, ela queria ter a coragem para subir o tronco antes que fosse tarde demais.

Que merda.

Eu queria poder dizer pra você que ela subiu a árvore e agora nem consegue descer tamanho o bucho adquirido. Ao menos queria poder dizer que ela deu o primeiro passo e está pendurada bem determinada num galinho. Mas a verdade é que ela continua no solo, bem longe de qualquer uva.

Mas ela não se engana mais. Pra que ela pule, é um passo. Digo, é um pulo. Pra que ela pule é um pulo.

Enfim. A raposa vai escalar a árvore, vocês vão ver.

Ai ai.