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Submergir

  • Escrito em 2019

Eu sinto sua falta, e ninguém nunca vai saber o quanto. Submerjo em águas calmas tentando limpar o que ficou em mim sujo por você, mas é sempre tão calmo e tranquilo debaixo d’água que minha mente se esvazia e escorre e clareia a lembrança mais certa de ti.

Acima d’ água é barulho, é confusão, é tua ausência. Debaixo d’ água é silêncio, é paz, é teu corpo molhado, teus lábios com gosto bom de cloro. O entrelaçado do cabelo molhado de quem deixou a touca cair de propósito. De propósito aquela mão boba como se na água a luz não penetrasse, mas além da refração acontece também a reflexão e todo mundo pode ver. Mas é tão suave, e o ressoar da água torna tudo tão lento e tão duradouro e tão paciente, que o nosso toque é sem peso algum.

Eu sinto sua falta, e digo pra mim mesmo que o melhor é não te ter mais, se é que um dia tive mesmo. É mais fácil assim. Não sempre, principalmente quando respiro água mas o teu cheiro não vem junto, e eu me engasgo da tua ausência.

E nunca mais as ondas batendo forte na gente, lavando nossos corpos com sal e ímpeto, e nunca mais encontrar areias no bolso do dia seguinte e te avisar assim que puder.

Nado sincronizado, as vezes somos tão seguros de si e nadamos em uníssono com harmonia tão grande. Águas tratadas de piscina, purificadas com cloro e cuidado meu com você. Doce. A gente se entende.

As vezes somos areia grossa, mar revolto. Sal forte. Só a linguagem dos corpos molhados, sendo arrastados pela maré. Sangue frio, briga por besteira, desordem.

E agora eu fico longe da água pra ver se me afogo de uma vez. Sem teu afago. Sem água dos teus lábios. Impossível de respirar. Excesso de ar. Falta do teu olhar.

Eu digo pra mim que é o melhor, o que não me impede de chorar vez ou outra. Desidrato. Me seco de saudade. No resto do tempo subsisto.
Esqueci meu guarda-chuva, acho que de propósito. Não culpa sua, claro. Primeiro uns pinguinhos, depois a chuva forte, depois os trovões, tal qual o amor.

Me molho, me derreto, viro água. Nado sob a corrente.

Depois a chuva forte acaba, tal qual o amor, e aparece aquele sol quente desgraçado.

Mas sol quente pede piscina fresca, água gelada. Se não eu e você, águas de outras fontes, rios caudalosos, lagoas, cachoeiras. Soube que o mundo tem 7 mares. 71%, se não for você águas vão rolar. Por enquanto, submerjo.