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Tanatologia

e no primeiro dia disseram-­me que as luzes seriam apagadas e a noite que se seguiria não teria fim.
neguei. tudo ficará bem, disse à eles.
o sol se puserá à oeste e nascerá à leste,
os céus anunciarão primavera, verão, outono e inverno,
tudo haverá de existir como sempre existirá.
e nosso amor será, como todas as coisas, puramente eterno...
e no segundo dia quis gritar. quis que a doença da minha fúria contaminasse o meu redor.bradei com a raiva do topo da minha inveja,
quis que fosse mentira, quis que fosse com outro.
qualquer um menos eu.
que o calor do sol extinguisse os homens, derretendo qualquer esperança,
que as florestas todas queimassem, e que a fumaça consumisse os céus. não aceitarei derrota ­ lutarei com todas as minhas forças em nome do nosso amor.e no terceiro dia joguei dados. quis negociar meu adiantamento. barganhei meus motivos e minhas riquezas, minhas terras e meus desejos, tudo em nome de um pouco mais de dias no final do dia.
quis que sol nascesse só amanhã. e amanhã depois de amanhã,
que eu pudesse ver só mais uma primavera, só mais um verão, só mais um outono, só mais um inverno.
deixe­-me amar pela última vez, só mais uma vez...
e no quarto dia perdi tudo o que tinha.
não haverá amanhã.
nada me restou além da depressão.
nada ficará bem, disse à eles. é o fim.
nesse dia não houve sol. nesse dia não houve nada.
o céu estava cinzento como fumaça.
choveu e meus olhos se afogaram em lágrimas.
nada mais existirá. meus dias passaram.
estou de luto – nosso amor nada mais é para mim do que perda e pesar.
e no quinto dia dormi de luz apagada.aceitei. tudo ficará bem, disse à eles.
nada me traria mais paz ou me faria mais feliz.
e o sol nasceu à leste e se pôs à oeste,os céus se abriram e a chuva derreteu a fumaça, dando nova vida para a floresta.
tudo existiu como sempre existiu.
nosso amor foi, um dia, puramente eterno. como todas as coisas, encontrou seu fim.
descansei ao sexto dia.