Menu

Procurando por Toyota Hilux Novos e Usados?

  • Escrito em 2019

um daqueles carros enormes ridículos foi com tudo pra cima de mim ontem. eu me preocupo tanto pra ser um bom motorista, eu nunca passei um sinal vermelho na minha vida, eu nunca corto ninguém, aí passa essa desgraça gigante num pare e me amassa todo,

a pintura, a placa, a capota toda arrancada jogada no chão, vai dar sorte se o seguro ainda estiver na validade, fiquei de ver isso e ainda não vi. eu estava bem puto, putasso. desci do carro, olhei o estrago, peguei a placa do chão, e a hiluxzona lá parada. nada de alguém sair. fiquei mais puto ainda, você não tem consideração? desgraçado, vagabundo, imbecil. fui dentro do carro checar os documentos, coloquei meus óculos de leitura, e de vez em quando olhava em direção do motorista. anotei a placa no whatsapp da minha namorada e tirei uma foto do estrago. de vez em quando eu olhava pra hilux, doidinho pra ela fugir, sair correndo, e eu chamar a polícia pra cima desse corno, maldito, cão. dá pra ver que eu fiquei puto.

taquei o grito.

escuta, você não vai sair não? ergui as mãos pra desgraça da minha capota. olhei pra hilux, tinha aguentado tão bem o tranco. claro que tinha. começou a juntar gente, como sempre junta num acidente. muita gente desocupada foi olhar pela janela, de camisola ou sem camisa mesmo. fui em direção a portinha do carrinho e bati educadamente, como se fosse no portão de uma mansão. tudo bem aí dentro?

imaginei alguém usando o celular, ligando pra advogado, seguradora, sei lá, o diabo, mas sem querer falar comigo ou olhar na minha cara. fiquei com tanta, tanta raiva, você não tem noção.

voltei pro carro porque esqueci de ligar pra autarquia de trânsito. quando estava saindo do carro, saiu uma mulher bem jovem e bem vestida, entalada num vestidinho.

- escuta, eu-

- me desculpa, eu não te vi, olhei pra direita mas os carros vem da esquerda, eu não olhei.

- tudo bem. quer dizer, tudo bem nada, da próxima vez tenha noção, podia ter machucado alguém, sorte sua que eu uso cinto 100% do tempo, podia ter sido um pedestre que você passou por cima ou algo assim.

a moça me olhou com os olhos vermelhos de segurar choro.

- veja bem. a senhora tem seguro? eu acho que estou sem seguro mas quem causou o acidente foi você e não eu. então a senhora tem que cobrir, entende? eu estou ligando pra autarquia. está chamando agora. a senhora está bem mesmo?

- esse carro não é meu.

- tudo bem. mas o carro que você bateu é meu, você entende? eu estou pagando ainda.

- é do meu marido.

- que ótimo pra vocês dois! escuta, você tem carteira de motorista?

- eu estou fugindo dele.

-

?

caralho.

isso foi fundo em mim. doeu e eu não sabia que ia doer.

tive vontade de mandar ela e o marido dela pra ponte que partiu e dizer pra ela ser crescidinha e cuidar dos próprios problemas que eu já tinha os meus, e que nunca pedi pra ela me meter nos dela. que a polícia ia chegar, e aí ela aproveitava pra dizer isso pra eles.

mas ao invés disso eu disse

- você pode tomar um café comigo depois daqui?

a real é que, depois de falar com deus e o mundo, autarquia, polícia, minha namorada, minha mãe, a seguradora, a concessionária e os caralhos, eu já estava de saco cheio de tudo aqui e comecei a repensar a mulher. quer dizer, pareceu um aproveitamento, só porque ela disse isso do nada ela subitamente é a vítima e eu estou aqui querendo ajudar ela. isso não faz sentido. mas falei com bastante gente, e de vez em quando olhava pra ela esperando ela puxar um telefone, sair andando, sumir ou algo assim. mas ela ficava só lá parada, acuada, sem reagir pro mundo a volta dela. isso partiu-me o coração, e eu fiquei chateado por ser tão mole. ela não é vítima coisa nenhuma, eu pensei quando alguém perguntou “o senhor deseja prestar queixa?” e eu falei que não, e depois fiquei pensando porra. porque não?

esperamos o reboque um do lado do outro, sentados no meio-fio feito duas crianças. eu tinha cansado de ficar em pé e assim que eu sentei ela sentou também, olhar fixo pro nada. olhei pra ela com o canto do olho e pensei, eu não sou psicólogo nenhum, eu sou agente de viagens. o que eu tenho pra dizer pra essa mulher? só pode ser brincadeira.

fomos bater na carmen’s e eu realmente achei que ela ia embora em determinado momento. tinha medo também do marido aparecer do nada pra levar ela e eu ter que decidir o que fazer. não sou bom com decisões rápidas e meu dia inteiro já estava arruinado por causa da batida. ainda bem que já estava voltando pra casa mesmo.

eu fui pegar café no balcão pra nós dois, e enquanto estava trazendo pra mesa fui dizendo que esperava que aquilo não se torne sessão de terapia que eu tinha muito o que fazer ainda quando voltasse pra casa. ri um pouco mas ela só pegou o café e me olhou sentar. me desculpei e disse que preferiria não ter dito isso.

- você está bem? digo, você se sente bem? não bateu nada ou algo assim?

- estou bem. obrigada pelo café.

- de nada. aliás, obrigada nada, você sabe que vai pagar, né? eu pedi mas você paga o seu e eu pago o meu.

- sim, claro.

silêncio constrangedor. será que eu sou desagradável? acho que estou no meu direito.

- veja bem. eu -

- acho melhor eu ir indo. desculpe mais uma vez pelo susto. você tem o meu número, pode me ligar quando quiser e discutiremos a dívida. não se preocupe, tenho palavra.

- sim, é claro, mas…

- vou deixar o café pago no caixa, está bem? depois nos falamos?

- olha…

ela se levantou e procurou a carteira na bolsa. pensei o que aconteceria daí em diante. eu sou péssimo com decisões rápidas.

falei na pressa:

- você não vai voltar pro seu marido, vai?

ela parou um pouco. procurou mais lentamente a carteira. diga algo, droga.

- obrigado pela gentileza. não precisa me dar o troco.

e puxou uma notona de cinquenta. o café tinha sido tipo quinze reais.

- por favor, não volta.

ela ficou com a nota de cinquenta na mão, erguendo em minha direção. eu percebi que ela não ia colocar na mesa e eu quase peguei porque tinha muita gente em volta olhando a cena.

mas então ela sentou e guardou a nota de volta na carteira.

ela olhou pra mim, e eu olhei pra ela de volta. eu lhe disse, olha, acho que você não vai gostar de saber, mas eu sei do seu marido. eu sei de você. eu sei que está com medo dele, que não quer mais esse casamento e não quer voltar pra casa. ele quer lhe engravidar e você sabe disso, está com medo de já estar grávida mas você ainda não está.

- o que mais você sabe?

- é tudo que eu sei, não estou escondendo nada de você. um casamento não é o fim do mundo. as pessoas vão ficar decepcionadas mas elas vão entender o que você quer. se elas te julgarem não é o fim, certo? e se você se distanciar de quem vai te considerar menos por causa disso, é melhor pra você. você concorda?

- como você sabe disso?

- cada qual com seus segredos. vamos acordar assim: se você não voltar pra casa, eu te conto. o que você acha?

- não é tão simples assim. eu não tenho pra onde ir. se eu ir pra casa da minha mãe, eu tenho que contar tudo pra ela. se eu ir pros meus tios, eles contam pra minha mãe.

- você não tem amigos? ex-paquera?

ela fez uma careta.

-desculpa, não pensei direito. eu pensei em termos de namoro. ainda assim seria péssimo, né? seu marido viria atrás de você.

ela fez que sim com a cabeça.

- posso pedir pra minha namorada pra você ficar na casa dela por uns dias. é só o tempo de ir na polícia. você precisa de uma ordem judicial o quanto antes.

ela começou a chorar e eu percebi que nada era tão simples quanto eu achei que seria. eu devia saber, eu sou vendedor. deve ser por isso que não sou um bom vendedor. ela falou choramingando:

- eu preciso… eu preciso de tempo, pra pensar sobre isso, eu preciso falar com minha mãe, eu preciso de… mas eu não posso voltar pro meu marido, ele vai querer fazer, eu não quero. eu não quero engravidar.

- você só não pode, tipo, dizer não? não quero…?

pensei na imbecilidade que acabei de dizer e fiquei com raiva de mim mesmo. ela continua chorando, e eu olhei pros guardanapos e pensei em oferecer pra ela limpar o rosto. ela abriu a bolsa e puxou uns lencinhos. dei um golão de café.

- sabia que eu… sabia que eu detesto café? eu odeio, de verdade. eu bebo só porque me dá energia e eu não chego dormindo no trabalho. bebo porque me acostumei a beber. isso não é estranho?

ela continuou chorando, mas eu sabia que ela estava atenta.

- se você me dissesse, pare de tomar café, eu diria, claro madame, na hora. amanhã não provo uma gota sequer de café. mas no momento em que acordar amanhã eu vou beber, isso é certeza. o que torna as coisas tão difíceis é que eu não sei se deveria parar de beber café; não de verdade. sabe? você concorda?

eu segurei o braço dela com alguma gentileza.

- escuta, vai pra casa da minha namorada e não volta hoje para o seu marido, e eu não vou tomar meu café amanhã. a gente combina se livrar os dois do que faz mal. você aceita? eu te digo como eu sei de você. você promete?

ela continuou chorando baixinho e eu esperei. que estranhas as coisas são, e quanta coisa chata acontece sem a gente ter nenhuma culpa!